17 August 2009

Arbitragem Profissional - Philadelphia 2004

Hoje escrevo mais um capitulo da minha experiência enquanto profissional da arbitragem. A minha primeira prova a arbitrar profissionalmente na NXL, foi a prova da PSP N.E.O. em 2004. N.E.O. significa North East Open.
Na altura a PSP ainda estava dividida em NXL, X-ball com as suas várias categorias, 10 man, e algumas provas 5 man. O NEO neste ano, penso que era um regresso aquela zona dos EUA, foi num daqueles country clubs que só se vê nos filmes, onde não são admitidos as "gentinhas". Tinha um campo de golf enorme onde o circuito de golf profissional passava e uns campos de polo enormes. Eu não quero exagerar muito com o termo enorme, mas quem vai ou for aos EUA vê que não exagero com o enorme, tudo é feito à grande...

O local mesmo dito ficava a umas duas horas de estrada do aeroporto de Pittsburgh público.
Cheguei após umas 36 horas desde que tinha acordado em casa em Lisboa, e após ter feito uma das maiores jornadas com um voo de Lisboa para Amesterdão, Amesterdão para Newark, Newark para Pitsburgh. Enfim, cada vez mais provava o meu amor por esta aventura, estas viagens tornam-se mesmo muito longas e depois de ouvir três vezes seguidas todas as músicas do walkman, explorado todas as revistas de avião e adormecido ao som dos filmes de avião, não sobra muito mais para fazer.
Aterrei no destino final, tinha apenas dois números de telefone e como é óbvio não tinha praticamente método de contacto directo com alguém, num aeroporto deserto para o que estamos habituados. Fui apanhar a minha mala após tentar fazer telefonemas sem sucesso de uma cabine telefónica, e começo a traçar um plano mental, o normal pois já me tinha sucedido uma situação igual no Millennium na Noruega, ia apanhar um táxi para o local da prova ou pedir boleia a alguém que parecesse ser de paintball no aeroporto (coisa que desta vez nem havia).
Após apanhar a mala, aparece-me um fulano mais branco cal do que eu, como que à procura de alguém, não fui de vergonhas e ia-lhe perguntar se ele estava à minha procura, quando ele me perguntou antes se eu era o "Jamie". Primeiro pensamento: "aleluia, não estou apeado e perdido num aeroporto no meio do nada".
O individuo era o "CJ", um gajo super porreiro e com o qual trabalhei bastante nos três anos seguintes, super aproximável e super curioso com a minha experiência em viagem pelo resto do mundo que ele não conhecia. Fomos para o carro e fizemos uma viagem "pertinho" de duas horas ao som de Eminem (sim os gajos cor de cal na América são os que compram os albuns dele), onde falamos de várias cenas para chegarmos a um dos piores ou mesmo pior hotel onde já estive na minha vida.



Fiquei na cabana da foto que se dividia em três quartos, cozinha/hall, e wc com o "Fish" e o Nick, dois dos mais velhos e porreiraços, o primeiro trabalhava num bar, o segundo tirava fotos em shows de cães e jogava poker, ambos tinham uns dois metros e envergadura de um jogador de futebol americano. Fui cumprimentar todos, inclusivé os que já conhecia cá na Europa nos vários quartos e depois fui resolver a primeira situação no quarto. Despejar a água do acumulador que estava na casa de banho porque estava podre e eles não percebiam donde vinha o mau cheiro. Basicamente fui dormir sem tomar duche após uma viagem longa... Maravilha!

No dia a seguir lá me equipei com os trapos, chamo-lhes trapos, porque assim que cheguei ao campo a primeira cena que me aconteceu foi o CJ e o "Berger" (Agora árbitro na AXBL) levarem-me à DYE a pedido do Dan para levantar todo o material com que eles patrocinavam os árbitros, e foi basicamente tudo: Ténis, protecções, calças, luvas. Tudo novo e por estrear com cheiro a novo e borracha. Cheguei ao campo e deram-me as minhas quatro jerseys da NXL e umas indicações, e pelo meio o "Boogie" o responsável por me levar lá aos EUA, o árbitro que aparece em muitos videos de paintball de calções e bandana dos EUA na cabeça no lado da cobra, a apresentar-me todas aquelas caras e nomes que eu tinha visto nos videos, nos artigos e revistas... Do primeiro dia até ao último dia conheci TODA a gente, foi um apresentar constante de pessoas e nomes.

Conheci finalmente o "Bob" o chefe de campo, e no final do dia conheci o Mike Ratko (o comissário original da NXL). O Bob não era pera doce dava-se educadamente com todos os treinadores mas sem floreados e todos o respeitavam-no, talvez menos o Frank Connel na altura dos All Americans, esse não respeita ninguém. O Bob deu-me indicações claras dos poucos procedimentos que ele exigia cumpridos mas sobretudo ele funciona a limar as arestas. Erros ele não corrigia porque normalmente esses não aconteciam, se aconteciam era sinónimo que algum árbitro ia para casa mais cedo, e não estou a escrever por escrever eu vi isso acontecer várias vezes. Se algum dava problemas era colocado no aeroporto após passar pelo hotel para apanhar as suas coisas. Estavamos a arbitrar jogadores profissionais, muitos deles miudos bastante inteligentes com porte atlético, que nem se davam ao trabalho de tirar as etiquetas do material novo que recebiam, pois o material não durava tanto tempo tal era o esforço e desgaste que eles davam. Ao mínimo sinal de fraqueza de um árbitro exploravam isso para sua vantagem ou para vantagem da sua equipa passando a informação ao treinador. Alguns valiam-se da sua reputação para situações menos claras, outros vinham sempre dar os parabéns pelo trabalho feito, outros só quando o resultado lhes tinha sido favorável.
Para minha sorte mas na altura pensei em azar, esta prova foi a primeira com o ramping autorizado e legal. Nesse ano na prova em LA os Ironmen ficaram com quatro marcadores suspensos num jogo, e o comissário da NXL quis combater os marcadores cheios de batota.

(A foto é de 2004, mas do World Cup)

Os do Bob Long lideravam a corrida, seguidos pelas DM4 e Shockers. Por isso por um lado não tinha de andar a perseguir tantos marcadores, pois foi um factor pelo o qual fui reconhecido como o gajo para apanhar marcadores ilegais, e acreditem apanhei bastantes em todo lado, tanto na Europa como nos EUA. Por outro lado havia dez gajos armados com "metralhadoras" em campo que se riam sadistamente da sua nova capacidade de poder de fogo. O pior eram os Trauma que antes dos pontos começarem nos 7/8 segundos davam os primeiros tiros em semi contra a rede para começar o ramping logo, e rodavam os marcadores inicialmente apontados para o chão e rede/céu já a dispararem, uma autêntica anormalidade que só demonstrava a sua "agora" diminuta capacidade de fazer logo uma linha de pré tal tinha sido o seu uso abusivo de breakout modes no passado recente. Nesta prova ainda havia alguns artistas supostamente a jogar com semi em que se agarrava nos marcadores deles e não davam mais do que 12 bps, mas na mão deles parecia dar o dobro, caso dos Aftershock que faziam um mod nos Halos para darem mais de 50bps. Quem precisa de um halo a dar 50 bps?

Mas com a entrada dos radares de velocidade e o microfone de rate of fire, todos começaram foi a temer a "fat ball", a bola que passa dos 300 fps. As equipas com shockers e a do Bob Long começaram a baixar as suas velocidades para os 270 fps, pois era raro o jogo sem dois ou três marcadores a passarem os 300 fps no breakout. Enfim foi um mundo de novidades, para mim, e para os jogadores por causa das novas regras e sistema.

O horário da NXL era uma maravilha, tinhamos uns quatro ou cinco jogos diários (calendário - http://www.nxlpaintball.com/NXL%202004%20Schedule.pdf), o que permitia uns intervalos enormes para ver os stands, e os outros jogos.


Ver os Dynasty e outros a jogar X-Ball ao vivo, e os Russian Legion que tinham vindo experimentar a PSP e X-ball nos EUA com uma temporada a decorrer excelentemente na Europa. Na altura o head-marshal "Divisional" era o Rosie (treinador dos New York Xtreme) que nos pedia (árbitros da NXL) sempre que estavamos livres se podiamos ir dar uma mãozinha no campo de X-Ball divisional. O que causou que acabassemos por arbitrar muitos dos jogos divisionais. Foi na prova que os Russian Legion ganharam, e acho que ajudou a mostrar que o trabalho dos ábitros da NXL e da PSP seria suficientemente imparcial para uma equipa não americana jogar a tempo inteiro na PSP. Além do mais o dono dos RL, já andava a estudar todas equipas e jogos no campo da NXL nessa altura... Por isso tudo apontava que os RL iriam mesmo no ano seguinte (2005) jogar na NXL. Secalhar também tem estatisticas dos árbitros...

O trabalho no campo era simples, trabalhavamos em dupla, sempre dois a ver um jogador sempre que possivel. Um via o "interior" o outro o "exterior", usavamos o rádio para comunicar com o scoreboard, chamar a atenção a alguém, avisar de determinado jogador estar sujo, chamar alguma urgência, e claro nos timeouts gozar uns com os outros. A mim chamavam-me "Spanyard" (espanhol) toparam que não gostava daquela associação cliché de que Portugal era Espanha, então lá tinha eu que gramar. Nunca corrigiamos ninguém em voz alta ou sem ser em conferência de árbitros exclusivamente entre nós, com o compromisso de não voltar a cometer o erro. Mas como disse antes, eram mesmo muito raros os erros, e num formato como aquele, onde se jogava a tempo nunca vi nenhuma injustiça a prevalecer.

Não eramos arrogantes como alguns que arbitram pensam que se tem de ser, se havia dúvidas consultava-se a pessoa que o pessoal no campo sabia que tinha melhor conhecimento das regras. E sim nas provas que eu ia consultavam muitas vezes a mim, primeiro porque sabiam que tinha as regras comigo, depois porque sabiam que as tinha vindo a ler no avião de trás para a frente e frente para trás porque não tinha mais nada para fazer, cheguei a enviar e-mails a pedido do Mike Ratko com apontamentos de erros e contradições.

Enfim, assisti ao final do segundo ano desta liga espectacular criada com as melhores intenções para o desporto e que irá merecer também um post com toda a sua história. Já agora no final da prova eram coroados os vencedores das conferências e da Commissioner's Cup, (Do Warpig: "Going into the Northeast Open the Oakland Assassins had already secured the Western Conference title"; "Baltimore Trauma defeated Chicago Aftershock 11 to 7, and became the Eastern Conference champions"; "NXL Commissioner's Cup - Oakland Assassins"), mas só receberam as taças em Outubro pois as mesmas foram roubadas na prova mas mais tarde devolvidas.

No final da prova os que ficamos por lá porque apenas tinhamos voo no dia seguinte (basicamente eu e o Boogie) fomos jantar ao country club, mais uns elementos dos Diesel (uma equipa amadora na altura em ascensão), o jantar foi pago pelo dono dos Trauma, o milionário que pagou basicamente a conta de todo o restaurante naquela noite talvez porque era tudo pessoal de paintball.

No dia a seguir o Mike Ratko deu-me boleia para Pittsburgh, onde falamos bastante e me despedi até Outubro, logo no primeiro dia a arbitrar convidaram-me logo para o World Cup, era um sonho o qual não havia beliscão que me acordasse.

Jaime Menino

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